A jornalista mineira de ascendência basca, Clara Arreguy, percorreu de bicicleta o tradicional caminho de peregrinação cristã do apóstolo Sant´iago. Partindo da cidade basca de Donibane Garazi (no Iparralde, extremo norte do país), Clara atravessou os Pirineus e algumas das províncias do sul (Hegoalde) antes de seguir viagem até a Santiago de Compostela, na Galiza. Abaixo o relato de Clara e o convite para o lançamento do seu livro "Siga as setas amarelas" onde a autora detalha esta aventura sobre duas rodas pelas estradas da peninsula ibérica.
Quem tem um sobrenome como o meu já se
acostumou à pergunta:
- Arreguy? É o quê? Francês?
E à resposta:
- Não. Basco. Mas da região francesa do
País Basco. Bayonne. Por isso a oxítona. Na Espanha, é Arregui, paroxítona.
Até a adolescência, isso era tudo que sabia
sobre o nome que chamava tanta atenção. Até que a curiosidade que me levaria à
profissão de jornalista conduzisse a uma investigação mais detida. E às
informações possíveis: minha mãe era filha de João Etienne Arreguy, que tinha o
mesmo nome do pai. O avô de João foi o primeiro Arreguy a chegar ao Brasil.
Joseph. Casou-se com uma alemã chamada Catarina Schuler. Desse primeiro casal
nasceu todo o nosso clã familiar.
O tempo me apresentou mais detalhes. Dizem
que Catarina tinha duas irmãs, que também se casaram com imigrantes e que
geraram a descendência dos Vermelho e dos Gusman, que virariam Gusmão – todos
em Muriaé, terra onde Joseph e Catarina se instalaram. Dessa forma, Arreguys,
Vermelhos e Gusmans seriam todos primos por parte das irmãs Schuler. Ou senão
por algo mais picante: Joseph teria namorado as três alemãzinhas... Sabe-se lá
a veracidade da fofoca.
De qualquer maneira, crescemos, os Arreguys
de Minas, sabendo que outros teriam vindo para o Brasil na mesma época, meados
do século XIX, provavelmente um irmão de Joseph se fixando no Sul – Rio Grande
do Sul? Argentina? Uruguai? Não temos certeza. De certo temos o grande escritor
Mário Arregui, quase xará do meu irmão, artista plástico. Em comum entre todos até
agora citados, o nariz marcante, o gosto pelas letras e pelas artes, a baixa
estatura, a testa avantajada em sinal de inteligência.
Quando fui para a Europa para o desafio de
pedalar o Caminho de Santiago de Compostela, em 2010, me preparei, junto ao grupo
do qual faço parte, para começar a viagem antes de Saint Jean Pied-de-Port e
curtir ao menos um pouco a paisagem do País Basco. Entramos de bicicleta por
Mauleon, onde de cara adquirimos bandanas, lencinhos, bandeiras e outros
souvenires com as cores e símbolos da nossa cultura de origem.
Placas com sinalização e palavras em basco
eu já havia visto. Mas naquela travessia pude "estudar" até um pouco
do intrigante idioma, que teria vindo diretamente dos antepassados. Donibani
Garazi = Saint Jean Pied-de-Port. Claro! Como San Sebastian = Donostia! Evidente. Para os meus ouvidos e olhos chegados ao estudo dos
idiomas, nada soava sem lógica. Eu sabia que estava em casa.
Em Saint Jean, indaguei sobre o sobrenome. Era
conhecido do vendedor de uma loja. Que me disse haver um parente meu na
farmácia. Corri atrás de um remedinho, enfrentei uma fila, pouco antes do
fechamento das portas do estabelecimento, até chegar a minha vez e me
informarem que o Arreguy trabalhava na outra farmácia, do outro lado da cidade.
O livro que comprei na cidade me contou
tudo que havia a ser contado sobre o povo, a história, as origens, o país, a
organização, a luta pela Independência. Adquiri também um dicionário de basco.
Na volta da viagem, tentei parar em Bayonne, mas o tempo era apertado demais e
tivemos que passar ao largo da cidade, à noite, por uma autoestrada. Não
conheci a terra dos tataravós.
A viagem de bicicleta por Compostela me
rendeu o romance "Siga as setas amarelas", que lancei no final de
2014 e que ainda estou divulgando em andanças pelo Brasil. Uma passagem do
livro conta sobre essa travessia do País Basco, a visita às raízes familiares,
algumas palavras de cumprimento na língua materna. Não fiz o mergulho na profundidade
que o tema requeria. O desafio, naquele momento, era outro. Mas ainda reservo
no coração espaço para o desejo de ir fundo nessa história. De Joseph e
Catarina, João e Francisca, João e Glorinha, Nini e Maia, de quem trago essa
bela herança.
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