(Entrevista concedida pelo prof. Mikel Ezkero à Ana Luiza Etchalus.)
EN CASTELLANO |
O BASCO BLOGUEIRO E SEMEADOR
Foi em Buenos Aires, numa final de manhã quente de dezembro, que conheci pessoalmente o professor Mikel Ezkerro. O lugar marcado era a sede da Laurak Bat (1), o centro basco da diáspora mais antigo do mundo - fundado em 1877 - , para onde me dirigi muito animada juntamente com duas primas, uma basca argentina e Etchalus como eu; e a outra basca de Iparralde (2), Hastoy. Havíamos planejado um encontro intercontinental de primas bascas na capital dos hermanos naquele verão.
Eu conhecia o professor apenas através de fotografias e de nossos bate papos através da rede social. Esperava ansiosa em frente ao centro basco que, para nosso desalento, estava com as portas fechadas naquele dia de feriado.
Esperamos por mais alguns minutos até surgir, de repente, como se saído de algum filme inglês “noir”, a figura professoral, tradicional, quase mítica. Do alto de seus quase dois metros de altura, segundo ele, 1,97 cm “cuando era joven”, o professor caminhava em nossa direção com passos largos e calmos e carregando no seu braço um guarda-chuva que, algum tempo mais tarde, soube tratar-se do guarda-chuva de seu falecido pai, usado de quando em vez também para ajudá-lo como apoio.
Frustrado o encontro na Laurak Bat, fomos lideradas pelo professor até uma cafeteria próxima, onde passamos a ser transportadas no tempo e na história de nossos antepassados pela sua narrativa.
Desde então tive vários contatos pessoais com Mikel Ezkerro, num dos quais tive a chance de retornar à Laurak Bat e saborear um delicioso almoço basco. Nossos sucessivos contatos acabaram estreitando um vínculo mais pessoal, uma fraterna amizade que, além do mais, é adornada por laços estreitos com amigos comuns.
Decidida a reativar o trabalho de entrevistas, que entendo ser uma forma dinâmica e afetiva de alimentar o nosso blog, comentei com o Alejandro Argañaraz, com quem divido modestamente o trabalho de desenvolver o nosso maior meio de comunicação, a ideia que eu tinha de entrevistar o Professor Mikel Ezkerro.
E a entrevista estava em mente não somente porque Mikel Ezkerro foi um dos primeiros amigos bascos que tive no facebook e que, estimulado pela descoberta do desabrochar de uma comunidade de bascos descendentes no sul do Brasil, passou a divulgar meu livro e posteriormente acompanhar e divulgar as atividades de nossa comunidade. Pensei que a entrevista viria bem a calhar porque o professor Mikel Ezkerro é esta figura icônica da cultura basca, especialmente na diáspora sul-americana, um homem que contribui de forma permanente para fomentar, estimular e marcar o legado de seus ancestrais. E contribui com uma avidez e com tamanha qualidade, que há poucos meses criou um blog.
Este, aliás, seria o mote inicial da matéria, pensava eu, pois além de manejar muito bem a rede social, o professor ainda apresenta mais esta capacidade de mobilização: um blog. Afinal, um quase octagenário virar um blogueiro, cá entre nós, é fato que por si só deve ser celebrado, um estímulo a tantos idosos que tanto têm a contribuir neste mundo onde a expectativa de vida vem num crescendo.
E como todos os bascos sabem, uma vez posta a ideia na cabeça, impossível não operacionalizar, ou como diz o professor: “Cuando a un Vasco se le pone algo en el buru o cabeza, LO LOGRA”.
Assim foi que, ato contínuo, fiz contato com o professor Ezkerro que, sempre elegante e com a rapidez de quem, aos 79 anos, não perde seu tempo, me respondeu positivamente e também com uma impressionante agilidade enviou as respostas às perguntas que eu, dublê de entrevistadora, me dispus a sugerir.
Pensava em redirecionar as respostas, inseri-las no contexto de uma matéria, mas concluí que elas falam por si e se prestam para o objetivo maior que é, sem dúvida, homenagear o professor e divulgar seu incansável trabalho.
Então mudei o “rumo da prosa” e resolvi apenas transcrever a entrevista feita com o professor Mikel Ezkerro, o blogueiro octagenário semeador da cultura basca. Eskerrik asko, professor Mikel Ezkerro eta zorionak!!!!
Ana Luiza Etchalus
Kaixo prof. Mikel Ezkerro! Podes nos contar um pouco sobre sua história de vida? Onde nasceste, onde nasceram seus pais, quantos irmãos. Qual a sua formação, matrimônio, filhos, netos?
Nasci em Rawson, um pequeno povoado da Provincia de Buenos Aires, a uns 200 kms, da Capital Federal.
Meu pai era argentino, minha mãe basca, todos meus avós, maternos e paternos, eram bascos. Sou filho único.
Completei meus estudos primários em Bilbao, Pais Basco e os secundarios em Buenos Aires, em ambos os casos, com os Padres Jesuitas, ordem religiosa fundada pelo basco Santo Ignacio de Loyola.
Minha formação foi sempre dirigida ao estudo das Humanidades: Historia, Geografia, Filosofia, Literatura,etc.
Casado com Susana Aramendia. Dois filhos: Maite e Julián. Três netos
Conte-nos um pouco sobre sua historia profissional?
Minha formação profissional foi no estudo da Historia Argentina e da Europa, e dentro desta última, especialmente a Historia Basca, fundamentalmente a Historia Moderna e Contemporânea de Euskal Herria.
Como meio de vida económico trabalhei como Gerente de Ventas em uma Editoria em Buenos Aires que comercializava revistas na Argentina e em outros paises da América Latina.
Quando despertaste o interesse por temas bascos?
Minha mãe, em Bilbao, onde vivi do primeiro ano de vida até os 12, foi a primeira pessoa que desde que tenho consciencia, semeou na minha pessoa o Sentimento e o Amor pelos temas bascos, enquanto que de forma paralela, meu pai fazia o mesmo em relação ao sentimento nacional por minha Pátria Argentina, desde pequeno estudava en Bilbao Historia e Geografia Argentina.
Desde os 15 anos comecei a estudar Historia Basca, e de forma muito especial, o periodo que vai de 1789 (Revolução Francesa) até os dias atuais.
Quais foram as atividades que desenvolveste exclusivamente relacionadas à temática basca?
Ao mesmo tempo, comecei a conhecer e dialogar em Buenos Aires com todas as personalidades bascas do exilio da guerra de 1936, pessoas muito relevantes no cenário politico e cultural, a quemm estarei eternamente agradecido por todas os ensinamentos e experiencias recebidas.
A partir do ano de 1963 comecei a dar conferencias nos Centros Bascos, trabalho não interrompido até o presente.
Em 1966 comecei a escrever no periódico mensal Eusko-Lurra - Tierra Vasca, que se publicava em Buenos Aires, até o ano em que encerrou suas atividades, 1975, depois do falecimento do ditador Franco. Nesta publicação escrevi aproximadamente uns 200 artigos, com distintos pseudônimos.
Anos mais tarde fui nomeado membro do desaparecido Instituto Americano de Estudos Bascos e sou membro do Centro de Estudos Históricos e do Nacionalismo Basco Arturo Campión.
No institucional, fui responsavel pela Area de Cultura do Centro Basco Laurak Bat de Buenos Aires e pelo mesmo cargo a nivel nacional argentino na Federação de Entidades Bascas da Argentina ( FEVA ).
Autor da Historia do Centro Basco Laurak Bat de Buenos Aires, obra editada pelo Governo Basco na Coleção Urazandi.
Ministrei conferências em 90 Centros Bascos da Argentina, Uruguay, brasil y Euskal Herria.
Que idade tens?
No próximo mês de Maio completarei 79 anos.
Tens uma participação ativa nas redes sociais, principalmente no facebook. Estás presente em alguma outra rede social, como twitter ou instagram?
Praticamente só utilizo o Facebook.
Recentemente criaste um blog. Como surgiu a ideia e que tipo de ajuda tens para o desenvolvimento desta ferramente? Quantas horas por dia dedicas a esta atividade? Quais são seus principais objetivos com o blog?
Faz pouco tempo que decidi criar um blog pessoal, exclusivamente para escrever artigos obre a temática Basca, aceitando comentarios dos usuários. A idéia que me motivou inicialmente tem a ver com a palavra basca Ereintza, que em Euskera significa "el Sembrador", ou o semeador.
Há um uso crescente das redes sociais entre as pessoas da chamada Terceira Idade, como vês este novo fenômeno da comunicação?
Acho interessante e com muito futuro, ainda que fale a partir da minha experiência meramente pessoal. Me tem custado muito esforço, entender e poder aplicar, empregar as variadas técnicas que oferece a Informática. Pessoalmente, eu confesso que desconheço e que utilizo uma porcentagem muito reduzida destas técnicas, o que não obsta para que reconheça que hoje e, ainda mais no futuro, será quase imprescindível e muito valioso o seu emprego em muitos setores da vida.
Quais foram suas experiências com os bascos no Brasil e qual a mensagem desejas expressar à parcela da diáspora basca residente em nosso país?
Minha experiência no Brasil, para ser mais preciso, no belo Estado do Rio Grande do Sul, onde estive em Porto Alegre e Pelotas, foi uma surpresa muito feliz, ao conhecer e tratar com mulheres e homens movidos por um sincero amor pela terra basca. Na verdade, eu desconhecia quase por completo a questão dos bascos no brasil. Havia lido sim, o livro "Alma Basca" que foi como un farol de luz que me iluminou na escuridão relativa ao meu conhecimento sobre este tema.
Em Porto Alegre e Pelotas, conheci a filhos, netos, bisnetos de bascos que me fizeram sentir, com palavras e gestos, o mesmo sadio orgulho que sentiam por suas raizes. A busca da identidade étnica, etc..
Também pude comprovar um fenômeno que já conhecia, porque havia percebido na Argentina e no Uruguay: Que no Rio Grande Do Sul havia e há um forte Sentimento Basco, um sincero amor ao pais de seus ancestrais, a seus usos e costumes e ao mesmo tempo, um desconhecimento inocultável sobre aspectos básicos do Povo Basco.
Este desconhecimento pode ser superado com a informação e a "Formação Basquista".
De qualquer forma, se não existisse um prévio Sentimento Basco, nada duradouro poderia ser levado a cabo.
Mais que Mensagem, eu chamaria isto de uma sugestão da parte de um argentino consciente das suas raizes bascas.
Que cada mulher, cada homem do Estado do Rio Grande do Sul, decida voluntariamente, a partir do Sentimento que já possui no seu coração, buscar o Conhecimento naquele ou naqueles temas que o atraiam: o Euskera - Idioma Basco, a Historia da sua Familia, seus sobrenomes, a Gastronomia, a Historia, Geografia, a Música, a Pintura, o Cinema, os Esportes, etc, etc.
Tudo soma, para logo multiplicar e evitar sempre o subtrair e dividir.
A experiência me leva a afirmar que a Euskal Etxea, a Casa Basca, o Centro Basco é a ferramenta mais idônea para viver e difundir a Cultura Basca entre os filhos, netos, bisnetos de bascos.
Trabalhar sem pressa, porém sem pausa.
Quando um Basco põe algo "en el BURU" (cabeça), consegue.
Eu sei, irmãs e irmãos do RIO GRANDE DO SUL, que vocês SÃO BASCOS !!!
Um fraternal abraço desde a Argentina.
Prof. Mikel Ezkerro
(1) Laurak Bat significa, em Euskara, "as quatro em uma". Se refere às quatro provincias bascas situadas ao sul dos Pirineus: Bizkaia, Gipuzkoa, Araba (Alava) e Nafarroa (Navarra).
(2) Iparralde é o País Basco do Norte, onde se encontram as provincias de Lapurdi (Labourd), Nafarroa-Beherea (Baixa-Navarra) e Zuberoa (Soule).
Nenhum comentário:
Postar um comentário